"vozes da minha cabeça #7 pode o dia da marmota realmente existir?
Sobre como The Bear nunca saiu dos trilhos (4x01)
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Se você não começou a nova temporada de The Bear, ele talvez te sirva de algo. Se viu só o primeiro episódio, também. Mas, se você é um maluco que já assistiu aos 10 episódios, posso estar cometendo os maiores crimes ao comentar sobre esse episódio. Como nunca deixa de ser um exercício legal, aqui estou.
A quarta temporada de The Bear estreou nessa quarta-feira e, apesar do ano anterior ter sido bem abaixo da média da série, a esperança não morreu. Sinto que estou meio distante da maioria, porque não odeio a última temporada. Curto ela e entendo o seu propósito. E o 4x01 provou que a série também entende isso. A maior reclamação do público girava em torno de nada acontecer na série — e não no sentido de que as coisas que eles queriam não aconteciam. Nada ia pra frente mesmo. A série ficou estagnada. A confusão na cozinha de Carmy é a mesma do início ao fim.
No fundo, esse era o sentimento que eles queriam passar. Construir um negócio não é fácil; trabalhar todos os dias, muito menos. O motor da série é uma tragédia — o suicídio do Michael — e não se espera que o resto da série seja cheio de flores. Ninguém está vendendo o sonho americano. Longe disso: estamos falando sobre fudidos. E olha que eles nem estão no pior nível.
Todo esse sentimento, essa divisão de águas na série, é justamente porque sempre foi sobre isso. Ou tá liberado a gente curtir o caos na vida do Carmy e nunca pagar o preço disso? Não é porque o estresse de um plano-sequência no horário de funcionamento do restaurante nos alegra que não vamos ver o silêncio depressivo da casa do chef — sem as vozes da cabeça dele. A vida não é sobre altos, e a terceira temporada nos prova isso.
Todo o tema responsável pela “temporada ruim” da série é finalmente verbalizado pelo próprio protagonista nesse episódio, que talvez seja uma luz no fim do túnel. Mas, por enquanto, apenas existe depressão (a qual vamos ter que aturar um pouco).
“Já teve a sensação de estar vivendo o mesmo dia repetidamente?”
Carmy pergunta a Marcus (4x01 - Rotina)
Essa, que é uma frase comumente dita em filmes sobre o “dia da marmota”, aqui atormenta o chef. Aos que não sabem, esse tipo de plot consiste basicamente em um loop temporal, no qual as personagens seguem vivendo o mesmo dia durante muito tempo. Geralmente, os filmes giram em torno de descobrir o que causou a anomalia e o que pode ser feito para resolvê-la.
Em The Bear, esse não é o dilema.
O que você faz quando o seu dia da marmota é apenas mais um dia comum e infernal de trabalho, em que você chega em casa cansado, dorme, e acorda simplesmente para continuar brigando com as mesmas pessoas todos os dias? E, no final das contas, não é exatamente disso que trata a terceira temporada de The Bear?
Os problemas da vida real te engolem, e você só tem a capacidade (e forças) de escolher ir dormir para viver o próximo dia. Em que momento você consegue sair? Qual é o causador da sua anomalia?
Deve ser por isso que esse é um tipo de filme tão comum na história. O nosso real sonho é ficar preso em um looping temporal — só que, dessa vez, de um dia interessante. Carmy não teve essa sorte. E o pior de tudo é que ele faz tudo isso com uma bomba esperando para explodir. Bomba essa que agora se materializa em um cronômetro de 1460 horas.
Sinceramente, não tenho previsões para o futuro da série — e isso é o que me instiga também. Nem tudo é Ruptura para precisar ficar teorizando sobre, e tá tudo bem. Principalmente porque os 10 episódios estão no mundo, então podem ser assistidos a qualquer momento.
Sobre o futuro de Carmy, eu não vejo brilho no final do horizonte. Infelizmente. Acho que minha hipótese é muito pessimista, então prefiro não dizê-la. Espero estar errado, e que não só Carmy, como nós, consigamos por fim a esse eterno dia da marmota — que é uma anomalia de uma das maiores anomalias do mundo: o capitalismo.
Aos que ficam:
Indicações da semana
Nunca tive contato algum com a obra do Don L. No máximo, dei play em uma das minhas playlists (¡ashtray?) e o Fellipe tinha colocado alguma música dele. E as que escutei (as quais não lembro) não desceram facilmente a uma escuta desatenta.
O rapper chega com seu mais novo trabalho “CARO Vapor II - qual a forma do pagamento?”, e fico feliz de poder estar descobrindo um artista de tão alto calibre em pleno 2025. Gosto que, assim como outros grandes trabalhos do ano — como o DRLE, do BK’ —, esse aqui é um projeto cheio de samples. Mas a grandiosidade de Don faz com que isso não seja tão relevante aqui. Você realmente entende o que ele quer dizer com “cortar de forma brasileira”, porque de que adianta um sample do seu país feito assim como os gringos fazem, né? Isso não precisa de qualidade — até o 21 Savage faz. Por enquanto, estou degustando esse aqui e ainda não quero ouvir os outros. O futuro será grandioso quando eu ouvi-las, mas, por enquanto, realmente dá pra entender o porquê do “rapper favorito do seu rapper favorito”. Vou deixar aqui minha favorita (“aFF Maria”) junto com uma das muitas entrevistas picas que ele deu.
Dia 19 foi dia do cinema nacional, e o Hulk Cinéfilo indicou um do Carlão, e eu tive que ver. Não sou o maior entendedor de cinema nacional, mas, pelo que eu vi até aqui, ele é um dos melhores filmando São Paulo. Muito foda “Garotas do ABC” — um filme dos anos 2000 ainda representar as contradições que cercam a sociedade brasileira. O Wagner Moura do nada no filme, e ainda fazendo um louco, foi uma boa surpresa!
Por último, mas nem um pouco menos importante, tem o podcast novo do Sodré. Este, que é conhecido por muitos como o exato estereótipo do esquerdo macho com papo motivacional que tem preenchido as redes, é, na verdade, um querido — e sabe muito das coisas. No primeiro episódio de lan-house, o Matheus recebe o Ora Thiago (outro que é muito foda) para discutir um pouco de “cinema, soft power e capitalismo tardio.”
Por hoje é isso! Pouco mas de coração! Um belo fim de semana para os leitores das:
“Vozes da Minha Cabeça”